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LINHA DE FOGO


Linha a linha se constroem algumas das obras nesta exposição, linhas por vezes nos limites da visibilidade que só pela sua acumulação, continuidade e densidade se transformam em corpos de obra revelando uma intenção obsessiva e sistemática onde da quantidade, bem como do seu registo, nasce, continuamente, a qualidade. No polo oposto destas linhas estão as marcas do fogo, que podem cortar e recortar o suporte, ou criar superfícies aparentemente lacadas, aparentemente uniformes à espera da luz mais ou menos rasante que as revele. Dir-se-ia a antiga oposição do estilo, na sobriedade das linhas somadas e do grito (Michel Seuphor, "Le Style et le Cri", 1965) no aparente descontrolo da mancha e (ou) do suporte rasgado. E, no entanto, estas obras convergem tanto quanto aparentemente divergem, não só pela autoria de Rui Soares Costa (n. 1981), mas porque partem de inícios completamente diferentes: a lenta soma das linhas que nunca chegam a unir-se e a rápida agressão do fogo; têm resultados que implicam uma mesma atenção, um mesmo discernimento do nosso olhar, sempre nos limites das possibilidades de entendimento visual, tanto na soma filiforme das linhas como na presença das marcas do fogo, sobretudo quando estas acabam por ser ocultas por uma espessa camada de vernizes. Entender o tempo, ou a ilusão dele, do instante à porfiada obsessão e, sobretudo, sentir o ver nos seus limites, quando o olhar nunca chega, a não ser que se lhe junte também o tempo necessário para que riscos e manchas se iluminem e cresçam em possibilidades de comunicação, em espaço que se converte em tempo, ou melhor, que é ele mesmo, o próprio tempo, tal e qual como o vento que os pés vão pisando sem ver e que, no entanto, lá está.


José Luís Porfírio

Junho 2019