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Imaginemos um Deus.

Que apenas pela possibilidade de o imaginarmos se torna, assim sendo, humano.

Limitado pela nossa condição, feita a dele.

Um deus humano, agora com minúscula inicial, porque menor, que desenha um traço contínuo em linha reta, ou quase, sem que, por um instante, a caneta se afaste da superfície branca e do papel.

Assim interrompendo o vazio.

Um deus cujo traço que cria representa, e é, por si só, um universo, o conjunto de todas as coisas visíveis, invisíveis e imaginárias, existentes e não só, e das histórias que as contam.

Um universo que se expande, linearmente, até ao momento e lugar onde o nosso deus, muito humanamente também cansado, repouse a sua pena e contemple, satisfeito, a sua obra.

Ou talvez não, pois a perfeição é coisa que não lhe assiste e a sua imaginação, limitada pela nossa, claudica perante ela.

Seria, pois, muito natural que, finda cada pausa, frustrado, o nosso deus recomeçasse, não onde terminara, mas paralelamente, a uma distância ínfima, a criação de um novo universo, sem as imperfeições do anterior, mas com outras, não mais nem menos relevantes.

E assim sucessivamente, ad aeternum ou até que o vazio cesse de existir.

E esses múltiplos universos coexistissem sem se tocarem, mas cientes da possibilidade dos outros, por via da imaginação de alguns dos seus peculiares habitantes, que neles existindo, seriam livres de fazer tudo o que as leis do mesmo lhes permitissem, sob pena de cessarem de existir. 


Pedro Goulão
Junho 2019